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03 novembro 2006

Um site acessível para cegos é necessariamente acessível para surdos?

Muito se fala de acessibilidade digital para deficientes visuais, até mesmo o decreto de Lei brasileiro Nº5.296 faz menção que: "todos os portais e sites da administração pública deverão ter obrigatoriamente seus conteúdos acessíveis para pessoas portadoras de deficiência visual, garantindo-lhes o pleno acesso às informações disponíveis". Mas e as outras deficiências? Tornar um site acessível para deficientes visuais é o suficiente para atender a todas as pessoas com necessidades especiais?

Por um lado, isso pode até ser verdade, afinal, o deficiente motor e o visual normalmente interagem com as páginas de um site através do teclado. Seguindo essa lógica, ao criar uma página acessível e fácil de usar mesmo sem o mouse, ou seja, navegando apenas com o teclado, poderemos dizer então, que um site acessível para deficientes visuais também é para deficientes motores.

Mas será que essa lógica pode realmente garantir que sites acessíveis para deficientes visuais, também sejam para deficiências motores em suas mais diferentes necessidades?

Trocando um pouco de foco, será que essa mesma lógica também é valida para os deficientes auditivos?

Não seria melhor fazer testes com diferentes usuários e, a partir dos resultados, definir quais são as principais características que devem ser aplicadas para atender a todas as necessidades especiais?

Quando falamos de acessibilidade digital para surdos, o principal problema que nos vem a mente é a falta de legendas em filmes, vídeos e animações, transcrição em texto de artigos e conversas gravadas e disponibilizadas via podcasting, etc.

O problema é que, além dessas limitações mais aparentes, existem outras barreiras que não são assim tão obvias e, por isso, são ignoradas e deixadas de lado.

“Fazer a comparação cego/surdo é um pouco antagônica ... O cego pode ouvir, por isso cria registros corticais que, digamos assim, podem ser entendidos como que "o esqueleto" de suporte para que uma estrutura lingüística e fonética se possa formar. Depois desta, e só depois, é que é feita a alfabetização da pessoa cega através do Braille; o que com a pessoa surda não poderá acontecer.”

Texto do português José Pedro Amaral, surdocego - surdo total e com baixa-visão - bi-implantado na lista de acessibilidade do Yahoo.

Como colocou o José Pedro, o deficiente visual aprende primeiro o português para só depois aprender o braile. Já o surdo, aprende a língua brasileira dos sinais (Libra) e depois o português. O grande problema continua sendo a falta de informação, principalmente dos profissionais da educação... Por pura ignorância no assunto e baixa capacitação profissional, pensam que o surdo é menos capaz.

Em resposta a esses e outros "preconceitos", apresento a frase - ou slogan - da minha escola de samba, o Salgueiro: nem melhor, nem pior, apenas diferente.

Infelizmente a humanidade ainda não aprendeu a lidar com as diferenças e tem muita dificuldade em compreender o desconhecido, o diferente, o novo. Mudanças também não são bem-vindas em sua maioria e, parafraseando o filosofo Heráclito: "Os cães ladram para o que não compreendem". Além das escolas e universidades, infelizmente essa dificuldade também se reflete na maioria das empresas, associações, etc.

Para agravar o problema da acessibilidade, a língua de sinais é bastante limitada se compararmos com o português. Se muitas vezes, pessoas sem nenhum tipo de deficiência têm dificuldades de entender um texto complexo, imaginem um surdo que não teve acesso a uma educação eficiente as suas necessidades.

"é importante que as pessoas surdas tirem cursos superiores, caso contrário os "ouvintes" vão continuar a pensar que temos menos capacidades".
António Pisco, ficou surdo aos 18 anos e atualmente cursa 2.º ano do curso de Educação Física e Desporto na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia.

Fica mais fácil de entender as diferenças com exemplos:

”Os motivos são diversos, o fato é que a conversão de palavras comuns, como logradouro e filiação, para libras é complicada e quando o surdo se depara com elas em formulários é um problema... além disso ainda existem as metáforas que são difíceis de serem explicadas ao surdo, tipo caiu o dinheiro na conta...para o surdo cair é cair de tombo”

Texto retirado de uma mensagem de Edson Constantino na lista de acessibilidade do Yahoo.

Pela limitação natural da língua dos sinais em representar todas as palavras do nosso rico português, se o texto for rebuscado, obscuro ou complexo, tornar-se-á uma barreira natural para acessibilidade.

Não entendeu? Tudo bem, então não deixe de ler a história do lobo mau e da chapeuzinho vermelho produzida pelo professor surdo-mudo Francisco Goulão. O mais bacana dessa história e que ela é dividida em duas, na primeira coluna é contada em português e na segunda, em língua dos sinais e com a sua tradução literal para o português.


Chapeuzinho vermelho falando para o lobo mau em linha portuguesa: mora perto do moinho e do lago, ao lado da grande árvore. Lingua de sinais: moinho perto lago lado árvore grande.

Ao ler essa historinha, "minha ficha caiu" - olha o uso de mais uma metáfora. Mas com ajuda do Mestre, as diferenças entre as línguas ficaram muito mais claras.

somos surdos - somos felizes

Conclusão: a única solução para atender a surdos e “Troianos” e, por tabela, todos usuários, é aplicando a boa e velha receita de bolo: quanto menos, mais. Ou seja, se podemos simplificar, para que complicar?


"Complicar o simples é fácil. Criatividade é tornar o complicado em simples."
Contrabaxista Charles Mingus.



exemplo do aplicativo que transforma texto em lingua de sinais
Dica de software:

- software que transforma o texto escrito em uma animação para a linguagem brasileira de sinais.

Dica enviada por: Walmar Andrade - www.fatorw.com

- Blog do Professor surdo/mudo Francisco Goulão.

2 comentários:

Fernando Costa disse...

muito bom ! parabéns!

Edson Constantino disse...

Ótimo artigo Horácio!
Um abraço!
Eds.

 
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